sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Sob nova direção?

Existe uma arma apontada para a minha cabeça e ela me ordena escrever ou eu viro história. Sem escolha, rabisco sem vontade esta palavra, e esta, e esta aqui também, para manter um objeto inanimado e imaginário satisfeito... É mais ou menos assim que começo a avaliar minhas decisões de vida, batendo a cabeça no teclado como que por impulso rotineiro. A metáfora da arma, realmente? Melhor o tiro.

Zero pela criatividade, quatro pelo estilo, dez pela intenção, duas colheres de açúcar e uma passagem só de ida.

Minha vida.

Após avaliada, ao invés de ponderar sobre sua relevância (porque essa é sempre uma ótima ideia), resolvo considerar outras variantes. Tangentes. Nunca fui boa com números, nem com outras coisas que são deveras sinceras por natureza e que não se flexionam com o poder do pensamento, então fujo dessa tangente. Paro de tentar equacionar o problema.

Volto, timidamente, à reta da minha vida, porque retas são menos intimidantes e parecem mais com caminhos, jornadas, e menos com matemática.

Também nunca fui exímia desenhista, portanto incapaz de desenhar nada menos do que "meio" torto, então até o assunto das retas é meio complicado para mim.

Meio estrangeiro.

Paro e penso em águas mediterrâneas, em casas com cúpulas azuis, em ventos tortuosos de fim de tarde, que fazem um S arrepiado na espinha, nada de reta. Retas são supervalorizadas, se é que você não descobriu isso ainda.

Curvas talvez sejam a resposta. Descoladas demais para serem chamadas de tortas, misteriosas o suficiente para que duas somente formem o infinito... pois é, curvas fizeram até Pocahontas perguntar o que havia depois delas.

Percorrendo, assim, o caminho meândrico da minha vida (nada de retas), mas sem nunca conseguir fugir das tangentes, lembro do agente que afinal me trouxe até aqui.

Sim, porque uma arma não se empunha sozinha. O agente secreto que me ameaça com uma tela em branco e uma mente difusa só revela sua face quando já é tarde demais para retê-la, no mundo desconexo dos sonhos. Mas a pressão continua lá, firme contra a minha nuca, sobrevivendo à luz do dia, o mandado severo e silencioso, que como nos contos de fada, exige que eu transforme palha em ouro, memórias em reflexões, sentimentos em palavras.

Então eu lembro.

Lembro da louça pra lavar, do cheiro do veneno contra insetos, do prato partido no chão, do coração partido no chão, do jantar que eu nunca tive.

Esqueço todo o resto e foco nos motivos do coração para ter ficado tão tonto a ponto de se espatifar e por lá ficar. Pode ser que tenha sido aquilo que a minha avó um dia falou, que não se pode girar porcelana bonita por aí como o Chapeleiro Maluco, porque quebra, menina.

Eu não escutava muito a minha avó. Também nunca escutei muito o coração, talvez por isso ele tenha se jogado da bancada, arruinando meu jantar. Pra chamar atenção.

Sim, sim, eu estou te ouvindo agora, me desculpe se é tarde demais.

Ele não responde. Talvez esteja com o ouvido despedaçado, ou talvez seja a boca que esteja em caquinhos... ou talvez seja o orgulho, ferido.

De qualquer forma, varro o que consigo para dentro de um bule e tomo aos poucos o que sobrou da substância ardida com o meu café preto natural da Colômbia, que é docinho em comparação e cura minha tosse. Ou me dá tosse, um dos dois.

Sento e saboreio o gosto, repasso memórias de trás para frente, curvas e retas e tangentes e becos sem saída. Caminhos abandonados, caminhos nāo percorridos. Caminhos da mente, do lápis e do coração.

Ofereço um pouco para o Agente, que abaixa a arma por um momento.

Brindamos.