domingo, 11 de dezembro de 2016

Uma retrospectiva introspectiva


Eu era (mais) jovem e achava que o mundo inteiro me receberia de braços abertos e com um manual de instruções. Não aconteceu exatamente assim. Sai ano, entra ano, e eu aqui continuo a enfrentar o meu maior e mais longo desafio como membro ativo da sociedade: o pavor de não parecer um ser humano bem ajustado.

Reconhecendo o meu privilégio de contar com experiências maravilhosas proporcionadas por uma família financeiramente estável e que só deseja que eu seja feliz, por muito tempo me senti culpada por ser "assim", por algum motivo incapaz de aproveitar plenamente as oportunidades que a vida me entregava, sem conseguir tomar as rédeas do meu futuro.

Mas nem sempre foi desse jeito.

Foi logo após do aniversário da décima sexta pirueta que o planeta Terra deu ao redor do Sol após o meu nascimento. Eu estava vivendo sozinha na terra dos reis e rainhas que definiram o rumo dos acontecimentos que vieram a marcar a narrativa deste mesmo planetinha azul no último milênio - Londres. A cidade era grande demais e eu, diminuta. Graciosa onde eu era inadequada, tradicional onde eu era exceção, firme e estável como os leões de pedra do rio Tâmisa. 

E eu? Eu estava lá no meio, existindo no meio da multidão, tentando não atrapalhar o fluxo.

E aí, aconteceu. E aconteceu de novo. E de novo. E continuou acontecendo. Algumas vezes eu soube lidar, muitas outras não. Peguei o ônibus errado e fui parar em outro distrito, perdi o trem à noite no meio da nevasca e me vi sentada no final da linha, fui abraçada por estranhos na rua e achei que estava sendo assaltada, paguei por coisas desnecessárias porque não consegui dizer não, deixei de comer em vários lugares por não conseguir captar como pedir a comida sem chamar atenção, não participei de vários programas divertidos por não saber como agir normalmente, deixei de fazer amigos por não acreditar que alguém realmente fosse ter interesse em me acompanhar na minha jornada. Eu estava meio... fora de controle. Um tucunaré fora do Rio Solimões.

Arfando. Hiperventilando. Sentando no chão da estação. Gaguejando e chorando e desistindo e levantando e aprendendo. Vaguei as ruas daquela cidade milenar com a minha câmera e o meu bloco de notas dia após dia e construí minhas memórias incríveis mesmo assim, no meu ritmo, nos meus termos - com as minhas difíceis limitações.

A ansiedade é um mal terrível e silencioso, que vai corroendo por dentro todas as vontades e sonhos e esperanças até transformá-los em uma massa uniforme e cinza, inquieta e sem emoções. Não, não dá para se "acalmar" ou "tentar não ficar nervosa" ou "pensar que é tudo coisa da sua cabeça". Não é assim que funciona. Muitos aqui com certeza se identificam com isso também. 

Mas nada que a minha cruel ansiedade tenha me privado doeu tanto quanto essa história que teve seu início frustrante em janeiro de 2013 e finalmente encontrou o seu final feliz em fevereiro de 2016, quatro anos depois. História de superação? Nem tanto. Mas uma conquista válida mesmo assim.

E ela tem tudo a ver com um certo pintor impressionista holandês.

Quando eu tinha 15 anos e já apresentava sinais de um gosto um tanto quanto duvidoso para homens, me descobri apaixonada por Vincent Van Gogh - sim, o pintor. A vida dele me fascinava e eu passava horas na Internet assistindo documentários e lendo livros das cartas de correspondência dele para sua família e colegas. "Noite Estrelada" era a minha junção de cores e formas predileta em todo o universo - e existem rastros dessa fase inclusive neste mesmo blog, que felizmente já está aqui há 7 anos tornando públicas todas as minhas obsessões adolescentes.

Sendo assim, no momento em que pisei na Inglaterra, sabia que precisava visitar o museu de arte da National Gallery, onde estão expostas várias da obras do Van Gogh. Mas o que acontecia ao invés disso diariamente era mais ou menos assim: 

Hoje é o dia em que eu vou acordar, pegar o trem e o metrô, atravessar Trafalgar Square e entrar no museu. (Mas ninguém quer ir comigo, então talvez eu vá amanhã).
Hoje é o dia em que eu vou acordar, pegar o trem e o metrô... (Mas tá nevando e eu ainda não aprendi o caminho. Talvez amanhã.)
Hoje é o dia em que eu vou acordar... (Não consigo sair da cama. It's too much. Amanhã.)

Um dia, porém, acordei disposta e os sinais do universo pareciam auspiciosos, então fui. Tendo 1 pequeno ataque de pânico quando a moça da recepção me fez algumas perguntas sobre um panfleto que ela estava entregando, eu adentrei a ala principal e finalmente pude respirar.

Certo, pensei. Agora é só seguir as placas até chegar na exposição.

Mas as alas se estendiam e se aprofundavam e se intercalavam e eu fui me vendo cada vez mais perdida, no meio de hieróglifos egípcios e porcelanato romano. Onde está a bendita ala pós-impressionista? É só uma das pinturas mais famosas do mundo.

Horas se passaram. Eu não achei o quadro. Precisava ir para a aula e já estava exausta socialmente.

Tudo bem. Outro dia eu volto e procuro as pinturas. É uma questão de honra agora.

Uma semana depois eu voltei, dessa vez com um mapa em mãos. Estava completamente ignorando o fato de ter uma habilidade de ecolocalização pior do que a da baleia beluga do filme da Dory, por sinal. É só seguir o mapa. O mapa é claro e não mente e não é uma pessoa e não me julga se eu errar o caminho.

Não preciso dizer que não achei a seção naquele dia. Talvez ela nem existisse e fosse só uma construção da minha mente febril, talvez os corredores estivessem se duplicando, e se eu olhasse para cima as pinturas estariam com rostos borrados e tudo aquilo fosse produto de um sonho sadístico de uma mente com muito mal gosto, e pior de tudo - minha.

Tentei outra vez mas não passei da escada, de onde tirei essa foto.



Eu voltei para o Brasil naquele ano me sentindo um fracasso. Se ao menos eu tivesse perguntado para alguém, se ao menos eu tivesse engolido aquele pavor por 10 segundos, se eu não fosse tão... mas eu sou tão... e nunca vou... e ninguém pode saber.

Os anos se passaram e eu aprendi uma coisa ou duas sobre como ser um humano bem ajustado. Fale menos, sorria mais... não deixe ninguém saber a sua opinião de fato. Vai dar tudo certo porque você merece. #EntendedoresEntenderão

E a vida seguiu em frente, eu e a ansiedade caminhando lado a lado como eternas rivais que precisam da outra para sobreviver - Coringa do meu Batman, Moriarty do meu Sherlock Holmes, a bruxa do meu conto de fadas.

Nesse ano de 2016, então, não paramos um minuto. Mudamos de cidade, de estado, de faculdade, de curso, aprendemos a morar sozinhas, uma com a outra, 24 horas por dia. Tivemos que aprender a lidar com o fato de que a Disney era passado e que todo o resto empalidece em comparação, uma das poucas coisas que concordamos e lamentamos.

Mas no placar Eu X Ansiedade, inserido no jogo mortal Mundo X 2016, eu ganhei um ponto que me tirou do negativo e que ela (e o ano de 2016) nunca vão poder aceitar. Porque foi feliz demais. E assim eu durmo um pouco mais tranquila à noite.

Era Londres novamente, só que completamente diferente. Era Nova York. Eu estava mais velha, mais vivida, e não estava sozinha. Eu estava realizada, feliz, e melhor - eu não estava esperando.

Eu aprendi a falar em público, a esconder o meu pânico, a entrar em estabelecimentos e pedir por ajuda. Aprendi a let go e ser livre de vez em quando e não ter medo do ridículo. Aprendi a iniciar conversas, a abrir contas no banco, a ligar para marcar as minhas próprias consultas médicas, a ir ao cinema sozinha e responder pelos meus próprios erros.

Parecia até que eu tinha vencido.

E eu venci mesmo, naquele dia - em que estávamos comemorando um trabalho bem feito numa das empresas mais influentes do mundo, lembra? Só aproveitando a companhia de amigos e a cultura da cidade mais cosmopolita do mundo, sem a austeridade de Londres sufocante ao redor.

Não era a National Gallery, mas era o Museum of Modern Arts, e de repente, sem aviso, entre uma gargalhada e outra, eu havia chegado na ala pós-impressionista. Sem ao menos procurar. Assim, de mansinho, como quem não quer nada, como um reencontro de uma amizade sincera perdida com o tempo.

Lá estava ela. A Noite Estrelada.

Onde você esteve esse tempo todo?, ela parecia me perguntar da sua moldura.

Eu? Eu estive caminhando lenta, mas certamente, em direção a você.

Naquele dia, a Ansiedade ficou calada no meu subconsciente em sinal de respeito, pois ela sabia o quanto aquele momento era importante para o meu progresso narrativo. Mas ela me forneceu, discretamente, lembranças de uma frase que eu pensava que havia esquecido:


E para 2017, o que eu desejo para todos nós? Um passinho atrás do outro. Certeza mesmo teremos de nada... mas que a visão das estrelas nos permita sonhar.

Parabéns por mais um ano vencido, pessoal. Até a próxima e boa noite.

segunda-feira, 21 de março de 2016

WOL Merchandise Hollywood Studios

Strollers, risos e papel Geami. Ou coisas que não voltam mais.

Quem fez, sabe: é difícil colocar a experiência do ICP em palavras. Como explicar o sentimento etéreo de ver seu parque fechado na madrugada e ter as luzes piscando só para você? As indagações loucas que passam pela cabeça quando se está sozinho e entediado no balcão? As risadas descontroladas por cada coisa besta ou até trágica? Eu só tenho uma palavra para nós, alumni: Michelina's. Em algum lugar desse país gigantesco, algum ser humano se identificou e está sorrindo, e é disso que eu estou falando, pessoal, - é inexplicável. Somos todos loucos.

Loucos para voltar.

"Voltar pra Disney? Mas já? De novo?" Não, amigos. Voltar pra casa.

Casa mesmo eu já tive duas na vida. Uma é um apartamento em Manaus, a outra é o Hollywood Studios. A primeira é bem normal e não tem fogos de artifício toda noite, nada emocionante, então acho que vocês não vão me impedir de falar só sobre a segunda.

E que casa legal, hein? Tem gente que não acha tanto assim. Essa casa sofreu umas perdas recentes e por enquanto está com um futuro incerto, mas quem seria eu para não defendê-la? Adeus, meu querido chapéu de feiticeiro, e que você descanse em paz. Adeus, Pizza Planet. Adeus, Osborne Lighs. E Honey, I shrunk the kids. E show chato dos carros. E aquele tour pelos bastidores. Adeus... caixa d'água? Esperem, parem, já tá bom... Oh não. Adeus, Right Block? SEGUREM O FANTASMIC! PROTEJAM ESSE BENDITO SHOW, NINGUÉM ENCOSTA!

Mataram até a minha work location? Como eu vou terminar esse WOL se a minha área nem existe mais? E os newcomers, como farão? O que farão?

Calma, gafanhotos. Positividade. Tudo vai dar certo no final. Tem coisas novas vindo, Star Wars e Toy Story, e posso afirmar que vão ficar bem legais. Ok? Enquanto isso, a gente espera (e reza).

Mas vamos falar de coisa boa? Vamos falar sobre Transtar? Tô brincando.

Vamos falar sobre como é trabalhar nesse parque colorido e um tanto confuso, mas sempre amigável e acolhedor.

Quando saíram as work locations e eu li Right Block, eu não lembrava o que era um stroller. Hoje eu não posso ver um stroller que me dá vontade de empilhar.

O Right Block, antiga locação do Sorcerer's Hat do Mickey, era composto por duas áreas: Oscar's Super Service, lugar onde ocorre o aluguel de strollers e ECVs, e as lojas à direita da Hollywood Boulevard: Celebrity 5&;10, Cover Story e The Darkroom.

                              

O que aconteceu foi que uma pessoa teve uma ideia muito brilhante um dia dormindo e resolveu que seria muito da hora juntar os dois lados da rua, pra sobrecarregar o cast e os gerentes, e deixar para o Right Block somente os strollers e uns carrinhos abertos na entrada, porque... por que não?

Eu não vi essa mudança acontecendo e ninguém ainda me explicou direito como as pessoas estão sobrevivendo, mas sei que na minha memória o Right Block continua sagrado e imaculado.

O que é um stroller?, você deve estar se perguntando. São aqueles carrinhos de bebê que as pessoas empurram pelo parque e tentam levar para dentro das montanha-russas, sem sucesso. E um ECV? É um scooter motorizado que serve para atropelar pessoas e fazer um barulho bem irritante quando engata a ré.

Mas não se intimidem por essas descrições bem sinceras, a gente passa por bons momentos ao lado deles. É uma relação amor/ódio, interdependência, cumplicidade. I know my way around a stroller.

Se você for merchandise e tiver treinamento de strollers, preste atenção, porque são essas as posições que você vai ter durante o dia em rotação:

Stacker/unstacker: Basicamente, empilhar, desempilhar e limpar strollers e cadeiras de rodas, conforme a necessidade. É divertido porque geralmente tem uma pessoa com você e é um trabalho nos bastidores, e acredite, você vai adorar trabalhar nos bastidores sempre que possível. Existem luvas e instrumentos de limpeza, então não se preocupe, não é nada difícil. É lá que acontecem as conversas mais profundas da sua vida com seus coworkers sobre a vida, o universo e tudo mais. I heart stacking (menos quando a pessoa ao seu lado é folgada, aí já viu).

Guest Distribution: você fica lá na frente recebendo tickets e colocando os crachás em cada stroller, ocasionalmente brincando com um bambolê como parte do seu trabalho. Todo mundo ama ser guest distribution (e todo mundo acaba sendo guest distribution o tempo todo, porque é preciso).

Classic Cars 1, 2 e 3: são as três caixas registradoras em que você faz o aluguel dos quatro modelos de transporte: single stroller, double stroller, cadeira de rodas e ECVs. Classic Cars 3 é a posição mais odiada por ter que lidar com contratos e pessoas mal humoradas que não entendem que só pode sentar uma pessoa no scooter e crianças não são permitidas. Sim, está totalmente carregado. Não, não pode devolver no seu hotel. Desculpe, mas temos uma lista de espera. Sim, eu entendo completamente, senhor. Não, eu não posso fazer nada. Sim, eu posso chamar o gerente. Não, o gerente também não vai poder fazer nada, pois temos uma lista de espera. E assim vai.

Classic Cars 1 e 2 são bem tranquilos por ficarem dentro da loja no ar condicionado, e também vendem bebidas geladas, remédios, coisinhas de bebê e pelúcias. Nunca me importava de ficar no 1 ou 2, exceto no início quando tudo era novo e a registradora me assustava. Mas a gente acaba pegando o jeito rápido.

Crossroads: inferno na Terra. Mentira, eu até gostava. É uma loja aberta em formato de círculo bem na entrada do parque e também era um centro de informação. O problema era que as pessoas chegavam lá e esperavam que você soubesse tudo, não só sobre o parque, mas sobre todos os parques e hotéis e ônibus e shows e reservas e fastpasses e personagens e se tinha o tal boneco em tal loja. Também alugávamos armários. Não dava pra ficar um segundo parado, o que é uma coisa boa, e agora com os fogos de artifícios de Star Wars, é a melhor posição no parque para assisti-los. Agora, quando estava -1 grau no sol, era um pouco difícil ficar ali sozinho congelando onde o vento faz a curva.

Valet: a todos a quem isso possa interessar, eu não sei dirigir. Claramente isso não interessou aos meus coordenadores, porque eu vivia nessa posição. Era um trabalho frequentemente simples e requeria que eu passasse muito tempo sentada, o que sempre é um alívio num shift de 14 horas. Basicamente, nós trazíamos os ECVs para o estacionamento on stage e levávamos as devoluções de volta para o backstage, onde estacionávamos os dito cujos perto das tomadas. Ser Classic Cars 3 com um valet ativo deixava o trabalho 60% mais fácil. Talvez hoje eu esteja preparada para dirigir de tanto que eu já estacionei carros na ré sem espelho.

Outra coisa sobre os valets é que se um ECV quebra em alguma parte do parque, é você que precisa levar o guincho com um scooter novo para fazer a troca, e isso sempre é no mínimo uma experiência muito interessante, porque quase nunca eles estão quebrados/descarregados de verdade e o seu trabalho todo pra chegar lá foi inútil, mas hey, pelo menos você passeou um pouquinho.

Lembro claramente de quando recebi a ligação dizendo que tinha um ECV quebrado dentro do Launch Bay no meeting com o Chewbacca num dia lotado. Demorei meia hora só pra chegar lá, passando com cuidado entre a multidão com a minha buzina ignorada, e o guincho se desmontando duas vezes. Depois, tive que passar por dentro da fila com um carro preso no outro em um espaço mínimo, ouvindo todo tipo de comentários de pessoas com um claro desejo de morte, porque ninguém saía da frente.

Aiai, hoje eu acho engraçado, Uma hora depois eu já tava achando engraçado, porque não tinha nada errado com o ECV e mesmo assim eu troquei e pedi desculpas pelo inconveniente, levando mais 20 minutos para voltar pro Oscar's. Cheguei lá e gritei "I DIDN'T KILL ANYONE!" e todo mundo vibrou. São as coisas mais absurdas que a gente sente mais falta.

Agora algo que eu definitivamente não sinto falta eram dos dias fatídicos em que eu fechava o parque no Oscar's e precisava recolher todas as cadeiras de rodas descartadas no estacionamento. Não, não existe um carrinho que faz isso, somos nós cast members que pagamos o pato. Pense em trabalhar um dia inteiro em pé e receber meia noite a função de ir lá fora com um colete neon, algumas vezes no frio, de empilhar cadeiras com rodinhas ruins e arrastá-las pelo estacionamento gigante da Disney até a locação delas dentro do parque. Não parece muito agradável, e realmente não é, mas se mandam seus colegas brasileiras juntos, é zoeira na certa.

                                                   
O que eu realmente gostava era de ir procurar strollers perdidos pelo parque depois que ele fechava. Você basicamente passeia sozinho pelo Studios com luzes todas acesas, e nesse último ano, com as incríveis Osborne Lights acesas, e basicamente tem as ruas inteiras só para você. Era emocionante descer a Sunset Boulevard duas da madrugada com a Tower of Terror coberta em neblina, me sentindo a própria mocinha de um filme de apocalipse zumbi. Lembro de estar atrás da Tower, completamente no escuro, quando de repente um gato preto pula do portão (a Disney solta gatos à noite pra combater os roedores). Só tive um pequeno ataque e corri.

Ou então, estava rodeando a Tower - porque tudo de sobrenatural sempre tinha que acontecer lá - quando de repente escuto um estouro altíssimo engolfando o silêncio absoluto da madrugada. Estavam soltando fogos de artifício num parque que NÃO tinha show de fogos. Dá pra imaginar o meu susto. E essa é a história de como estavam ensaiando para a estreia do Symphony of the Stars de Star Wars.

Então, como vocês podem ver, a vida com strollers tem suas alegrias e tristezas. Mas, brincadeiras à parte, nós também temos a grande responsabilidade de lidar com as pessoas que mais precisam de um nível Disney de atendimento. Não são só pais com crianças pequenas e inquietas que procuram esses serviços, ou gente que simplesmente não quer andar. São cadeirantes, pessoas com dificuldade de locomoção, crianças com câncer e outras doenças de partir o coração. Nós somos o primeiro contato delas ao chegarem no parque e o último contato ao saírem, então a mágica precisa começar conosco e acompanhá-las o dia todo.

Um tarde, uma mãe chegou com uma filha de dez anos sorridente e de olhar distante, e quando a menina sentou na cadeira, a mãe desabou ao meu lado. Ela disse que a filha estava com fibrose cística e estava ao poucos perdendo a visão, e por isso ela a trouxe para a Disney: para que ela pudesse ver o castelo pela última vez. E são nesses momentos que você entende porque está ali. No treinamento, nós precisamos escrever em letras maiúsculas no caderninho: I CREATE HAPPINESS. Não tem muito significado lá, timidamente rabiscado em uma sala fechada, com todo o futuro na sua frente lhe encarando. Mas ali, com as mãos sujas de tinta e o cabelo preso num rabo improvisado, fazendo aquela garotinha rir com o seu aceno, ali tudo faz sentido. I am a cast member. I create happiness. I am essential. I change lives.

Sim, eu fico cansada. Sim, é difícil sorrir todos os dias. Sim, às vezes a gente quer jogar tudo pro alto, chutar a pilha inteira de strollers e voltar pra casa. Mas alguém precisa fazer isso. E eu fiz. Assim como todos os outros que eu conheço que literalmente deram o sangue pela empresa para manter aqueles carrinhos em pé. Por orgulho, por caráter, por dedicação. Muito obrigada por empilharem strollers comigo, amigos. See ya real soon.

Eu sempre fico muito emocionada falando sobre strollers. Enough with them. Vamos falar sobre papel Geami. Já estou arrepiada.

Na Celebrity 5&10, o protocolo é assim: você compra, a gente embrulha. Pense numa loja em que NADA é à prova de gente desastrada. No período do ICP, ela que normalmente é uma loja de cozinha vira uma loja de Natal, cheia de ornamentos, enfeites, figuras de porcelana e tudo que pode quebrar ao mínimo toque. E quebra. Ah, se quebra. Para isso, a Disney não tem plástico bolha para oferecer de consolo aos viajantes. Tem algo melhor, e se chama papel Geami. Tudo na loja é embalado naquele super papelão, e se você já sente o meu desespero, imagine aquela senhora que vai fazer o rancho da árvore de Natal dela nessa loja e chega no balcão com 20 enfeites de árvore, todos prontos para serem embrulhados separadamente, numa fila de proporções pós-Fantasmic. A adrenalina subia e golpeava sangue para todos os músculos do meu corpo, coisas que eu só estou sentindo agora depois de voltar, toda travada.

Mas se na 5&10 a gente não tem um segundo de descanso, na Cover Story a vontade de dormir é total. Basicamente, nós ficamos lá paradinhos enquanto os fotógrafos fazem todo o trabalho de escolher e editar fotos ou pequenos álbuns, só precisando da nossa assistência na hora de pagar, o que demora uns 20 segundos, contrastando com os 20 minutos que eles passam com cada guest.

Só o que ninguém te avisa é que o seu trabalho vai ser quase que completamente de intérprete e tradutor, às vezes até de línguas que você não fala (o que é sempre bem divertido, só que não). No final do ICP eu já fazia até o trabalho do fotógrafo e explicava todos os pacotes, sendo que no início eu morria de medo de me mandarem pra lá porque não entendia nada de photopass, magic bands e Memory Maker. Parece que o mundo dá voltas, não é mesmo?

E se o mundo dá voltas e eu sempre acabava terminando o dia na Cover Story, minha amiga Mariana sempre era mandada relutantemente todas as manhãs para The Darkroom, e com razão. Aquela loja de livros, CDs, DVDs e tantas coisas legais vendia frequentemente só uma coisa do seu estoque: magic bands. Se fosse só vender a maldita tava tudo certo, mas elas também precisavam ser imediatamente linkadas à conta do usuário, o que era feito em um programa que os ICPs não tinham acesso. E, obviamente, nós sempre estávamos sozinhos naquela loja, o que pedia uma ligação urgente para algum dos coordenadores vir e ativar o negócio, o que comumente demorava ou não acontecia. Era uma maravilha. Dica: antes de ligar, acene loucamente para a 5&10 e espere alguém perceber o seu sinal de fumaça, porque depender dos coordenadores em situações como essas é xingamento na certa dos guests, que irão exclamar veementemente que você está estragando toda a viagem deles. Você vai ficar assustado ao descobrir que essa é a frase mais ouvida por todo cast member, independentemente de role, raça ou credo. Não ligue. Você sabe que está fazendo o que pode e que as pessoas perdem muito a noção na Disney.

A Head to Toe é um mistério para mim, porque eu só fui mandada uma vez lá em todo o meu programa, no meu último dia. Lá é a loja que faz a bordagem de chapéus personalizados, assim como toalhas e meias de Natal. O trabalho lá não é pra ser muito estressante, porque quem faz a bordagem é outra pessoa treinada, mas a vibe daquele cubículo é muito agitada e você se sente um pouco na guerra, com gente gritando "MAKE IT WORK" com muitos sotaques carregados e crianças chorando. Você, na sua insignificância em meio ao caos, só anota os pedidos e finaliza a transação e reza pra dar certo.

Um dia no meu treinamento na Head to Toe, meu gerente chegou com um chapéu rosa bebê da Minnie e disse que nós iríamos fazer uma surpresa muito especial pra uma família. Nas mãos, ele tinha os resultados um ultrassom, que nem os pais tinham visto ainda, e quem iria revelar a notícia seria o próprio Mickey, ao entregar uma caixinha para eles contendo com o chapéu, o exame e uma foto nossa segurando uma plaquinha "IT'S A GIRL!". Foi mágico demais.

E se eu achava que nenhuma location se comparava em níveis de estresse ao Right Block, tudo mudou quando, na semana do Natal, eu fui transferida para o outro lado da rua. O Left Block.

"Welcome to Mickey's of Hollywood. Leave your sanity at the door."

O clima naquela loja, a maior do Studios, era de soldados compatriotas dividindo trincheiras, bombas explodindo por todos os lados, gente gritando por ajuda e fugindo para as montanhas (ou só o backstage). Aprendi muito naquela semana e tenho as cicatrizes para provar. Just kidding. A Mickey's é dividida em várias zonas, que englobam todo o merchandise do parque, e é o primeiro e último destino de todo guest que visita o DHS. Tenho flashbacks às vezes de cabides me soterrando num depósito, e eu sei de onde eles pertencem. Tive a sorte de só lidar com os gerentes e coordenadores mais queridos dessa área, além de compartilhar histórias hilárias de trabalho com os outros ICPs dessa location, então sim, eu sou muito grata pela experiência de ter trabalhado lá, embora ainda tenha pesadelos de encontrar guests entrando no meu quarto e eu estar deitada na cama, que faz parte da decoração, e precisar atendê-los. True story.

A Keystone Clothiers é o paraíso do cast member do Left Block. Quando seu colega chega com uma cara meio suspeita e um papel na mão, se não for a hora do seu break, ele provavelmente está de mandando pra fora da linha de fogo, em algum lugar na Keystone, a loja do lado. Ela é basicamente uma loja de roupas adultas, joias e acessórios, além de ser muito tranquila de trabalhar e ter uma posição bastante estratégica na hora da Dance Party. Adorava ficar lá por motivos óbvios, menos quando precisava ser consultora de charms da Pandora, porque não entendia nada disso, mas inventava que só, o que gerava situações bem engraçadas pra mim: "Sim, acredito que esta seja uma coleção exclusiva de 2015" ou "Esse modelo sai bastante, talvez você goste mais desse aqui".

Fui deployed (transferida) mais uma vez no meu programa, dessa vez para a Sunset Boulevard, que foi a minha semana mais agradável de trabalho. Fiquei nas lojas Once Upon a Time, logo ao lado do teatro da Bela e a Fera, que vende coisas de princesa, brinquedos e roupas; a Reel Vogue, antiga loja de vilões, que hoje vende jogos de tabuleiro, pelúcias e doces; a pequena loja de Toy Story logo ao lado da atração; e a Legends of Hollywood, a loja do "Frôzi".

Destaque para essa última locação, em que eu tive que responder cada pergunta de brasileiro que não me aguentava séria.

- É aqui que sai a Frôzi?
- Desculpe, senhora?
- É nessa loja que encontra a Frôzi?
- Ah, sim. Não, senhora, a Elsa e a Anna não ficam aqui na loja. Elas tem um show musical no teatro azul que fica...
- Então elas não saem por aquela porta?
- Não, senhora, ali é só o nosso depósito.

Entre outras pérolas.

Trabalhar na Disney foi uma experiência especial demais. Ser merchan foi algo incrível e desafiador, apavorante e libertador, tudo de uma vez só. Às vezes acordo sem entender como aquilo tudo foi real, de volta à minha realidade como sapo, sem mais estar a 15 minutos do Magic Kindgom ou a um telefonema de distância de tantos amigos, tantas aventuras esperando pra começar. O trabalho é difícil, exaustivo, não nego, mas não é essa questão. A superação pessoal, sim. A vontade de fazer a diferença com as suas pequenas ações. O sorriso discreto no rosto após cada barreira vencida, lição aprendida. Não há palavras para descrever o ICP. Há uma palavra, porém, que chega bem perto: faça.

                           

Nos próximos posts, falarei sobre os outros aspectos do programa: acomodações, dias de folga nos parques, Grace Period, entre muitas outras coisas.

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