sexta-feira, 1 de junho de 2018

Relatos desconexos de uma viajante insone ao longo de 28h (a caminho de Roma)

Escrito em notas do meu celular entre os dias 19/05 e 20/05. Sérias edições feitas em 31/05 (a palavra “comissários” estava escrita como “comissoiaweios” e 3 línguas foram identificadas na documentação dos acontecimentos).

Atenção: você está prestes a embarcar no meu extremamente confuso fluxo de pensamentos, ligeiramente alterados pelo fuso horário e algumas (muitas) medicações passageiras. Você foi avisado.







São 4:40 da manhã. Em Caxias do Sul, o termômetro da estação aponta 3°C. Meu look pode ser descrito como o de um esquimó que vai passar as primeiras férias na praia (ele não sabe muito bem o que vai precisar, então resolve colocar tudo de uma vez). No meu destino final, faz 38°C.


Rodoviária deserta. Serração baixa. A vida normal de um caxiense. Me escondo no banheiro por 30 minutos, até o meu ônibus para Porto Alegre chegar. Achei tudo aquilo muito normal naquele momento: eu, minha mala e minha mochila protegidos em um forte impenetrável de segurança, também conhecido como toalete feminino.


Não me lembro muito dessa primeira fase da viagem, só que estava escuro e que o teto do veículo parecia brilhar como se abrigasse 1 bilhão de estrelas. Dormi muito bem, obrigada.


Uma vez no aeroporto de Porto Alegre (8:05 AM), fiz meu check-in muito rapidamente. Fui na maquininha, digitei tudo certinho, e no final, óbvio que não imprimiu tudo direitinho. Tive que entrar na fila na mesma forma (pra quê ter, então, se nunca dá certo?) Será que a minha mala vai chegar?


Não tem problema. É um dia histórico. Assisti o casamento real por um stream do twitter usando o 4G do meu celular, já na sala de embarque. Gastei todos os meus dados e me desfiz em lágrimas (marejadas) pelo menos umas 3 vezes - discurso do pastor, irmã da Diana e só vendo mesmo os noivos sentados.


É engraçado. Eu odeio casamentos.


Ao meu lado direito, uma moça da minha idade curte no Instagram todas as fotos do evento que eu estou assistindo ao vivo. Ao meu lado esquerdo, um senhor de 60 anos lê em espanhol notícias sobre o casamento que eu estou assistindo ao vivo.


Lembro que achei tudo isso muito bonito na hora.


Senti que fazia parte de algo maior do que eu - e que dessa vez, pelo menos uma vez, o mundo estava conectado para acompanhar uma história com um final feliz. Eu, a moça, o senhor - nós estávamos sorrindo.


Chame-nos de bobos sentimentalistas (ou fanáticos imperialistas), mas nós três testemunhamos história naquele dia. Fizemos história: nós estávamos lá, separados, juntos, desse jeito maluco que a tecnologia tem a nos oferecer. O sorriso é uma linguagem universal.


É claro que aí tinha que chegar a Alitalia e estragar o meu humor alto-astral matinal.


Eu nunca vi um voo mais bizarro do que aquele, guardem: Guarulhos/Roma, número 675, saída 14:50, chegada 07:05 (horário local). Estávamos dando um salto no tempo. E que salto foi esse, que chegou até a abrir uma realidade paralela no contínuo espaço-tempo.


Pra começar, os comissários do voo eram completamente lunáticos. No nível “fuck this job.


Demoraram 2h para resolver o sistema de entretenimento de bordo (somente 5 tvs no avião todo estavam ligadas) sem explicação nenhuma, num voo de 12h, sob a lei de marcial de “só cruze os dedos e espere ser um dos sortudos”.


Não serviram a bebida na minha fileira em 2 das refeições e houve um momento bizarro em que todos eles desapareceram da aeronave. Dez minutos depois, ouvimos um barulho estranho vindo da rabeta e todos estavam batendo palmas, cantando e abrindo um espumante.


Sem brincadeira.


O que não era brincadeira mesmo era o assento extremamente desconfortável em que eu supostamente deveria descansar pelas próximas 12 horas. A parte superior da cadeira era apoiada por um tijolo (e o travesseiro que te dão só serve para amenizar a dor nas tuas costas, sabe... por ficarem apoiadas em um tijolo por 12 horas).


Eu não consegui dormir.


E assento de avião é uma roleta russa, não?


Ô casal inconveniente que sentou do meu lado (eu estava no corredor) - homem insuportável, barulhento, tomou 6 taças de vinho durante o voo, derrubou 1, me deu 7 cotoveladas e os dois me fizeram levantar 2478 vezes a cada meia hora - às vezes só pra “conversar” alto com um amigo do lado.


Não é como se eu quisesse dormir mesmo.


Já com 6 horas de voo, formei uma frase complexíssima em italiano para explicar que não haviam me servido Coca 2 vezes nas refeições.


Tive que pensar no verbo no particípio.


Me serviram a Coca. Me negaram uma água.


Mas foi no meio do deserto do Sahara que eu, finalmente, entrei em parafuso.


Faltavam 4 horas de voo ainda. Tudo desligado - luzes, televisões, tablets. Na tela central, a informação de que estávamos sobrevoando o deserto pelo que já pareciam horas.


E eu, em pé pelo avião, vagando sem rumo pela segunda classe, o sono a quilômetros de distância mesmo com a ajuda de 2 remédios diferentes.


Naquele momento, eu compreendi o sentido real da palavra marasmo.


Minha pele secou. Me tranquei em um cubículo mais uma vez pela próxima meia hora. Passei quilos de hidratante na minha cara. Não ajudou muito.


Carlinhos quebrou o controle remoto da tv dos anos 80.


Carlinhos cuspiu um pedaço de carne no assento da mulher sentada no corredor ao lado dele. Ela não percebeu.


Carlinhos dormiu o voo inteiro, o que me deixou extremamente enfurecida.


Assisti The Greatest Showman, The Last Jedi em italiano, Divertidamente, Enrolados (também em italiano) e uma parte de Liga da Justiça. Não consegui terminar a Liga da Justiça 3 vezes.


Comemos sanduíches gelados que pareciam pedra.
P.S.: a carne com ervilha tava boa.


E enfim, 12 horas depois, chegamos em Roma.


Porque Tel Aviv, meu amigo, é outra história.




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