sábado, 10 de novembro de 2012

O preço do talento

Talento é uma coisa muito mais rara do que se parece. Uma aptidão extraordinária para realizar alguma coisa - e espetacularmente bem. Inerente a quem você é, ele independe da previsão metereológica, humor, idade, estado mental. Te acompanha pela vida, sempre presente, muitas vezes como sua única companhia, muitas vezes motivo da sua solidão, é um fardo. Um fardo maravilhoso, invejável e especial. Você tem um talento?

Porque eu não. Céus, não. Não ouso detalhar mais a descrição de um, porque não compreendo de fato a  complexidade que é ter um talento. Como poderia, afinal? Mas apreciando, admirando de longe, um talento verdadeiro, natural, algumas coisas são absorvidas - e é por isso que eu ainda me atrevo a sequer escrever sobre o assunto.

Andei pensando - e provavelmente você também - e cheguei à falha conclusão de que não sou boa em nada. É muito fácil se atormentar assim quando a situação se encontra, digamos, propícia. Prontamente meu leão interior rosnou e me lembrou que não era bem verdade. Defensivo e orgulhoso como só ele é, meu leão nunca iria deixar um pensamento tão indigno como esse se apropriar da minha cabeça. Mas o leão é um animal irracional e portanto seu sistema de segurança não é lá muito do seu confiável. Pensamentos não-narcisísticos de vez em quando passam pelo seu filtro, abrem caminho pelos rios de besteirol e atingem as catacumbas do inconsciente, onde martelam, martelam, até rachar alguma coisa. E até mesmo o mais cheio de si começa a se duvidar.

Então começam os questionamentos: Por que eu preciso de um talento? Que diferença isso faz? Milhões de seres humanos andam por aí, trabalham, respiram e vivem sem saber tocar violino. Ou dançar a Polca, se é que é preciso comentar isso. Noventa e oito porcento de nós não faz a mínima ideia de como responder uma questão de física, e tenho absoluta certeza de que nunca na história da humanidade essa incapacidade matou alguém. Ávidos leitores, porém, não se conformam com o fato de que nunca terão a mente de seus favoritos romancistas. Mas apesar de tudo, a maioria dessas pessoas se consideram felizes

Encontra-se aí o maior mistério de todos. Por que temos essa obsessão toda em ser especial hoje em dia? Em destacar-se na multidão, reafirmar nossa singularidade e deixar uma marca para a posteridade? E, principalmente, por que a perspectiva do fracasso nos paralisa tanto ao ponto de nem mais tentarmos, com medo do implacável e crítico olhar da sociedade do "bom, mas faça melhor"?

Por que ao menos se importar? A ignorância é uma benção, sim, como é. Mas e para aqueles na metade do caminho, no limiar entre a mediocridade e a genialidade, como se contentar com um futuro menor do que aquele que você sabe poder sonhar, porém - que por fatores que você não pode controlar - é incapaz de alcançar?

É o sentimento aterrador e deprimente dos derrotados. E se deixar que ele tome conta de você, pode apostar que ele vai te arrastar até o final do poço, o máximo que puder, levando tudo junto.

E para entender melhor como ele age, você precisa traçar de onde ele vem. Sim, é preciso analisar suas inquietações e anseios de maneira calma e racional. É por isso que ninguém tenta. Mas sinto que posso ajudar por aqui.

É sério. Tente entender por que não ser bom o suficiente tem tantos impactos negativos na sua vida, na sua personalidade e nos seus relacionamentos, o que está errado ou que está faltando. 

Ou se não é tudo coisa da sua cabeça e você na verdade é Beethoven e não se toca.

É por que você é perfeccionista? Lembre-se que você é seu melhor amigo, portanto deve estar sempre trabalhando ao seu lado, e não contra você. E se isso não está acontecendo, então sua conduta está errada e precisa mudar. Muitos acham que precisam mesmo se exigir demais a fim de que extraiam até a última gota de esforço e produtividade, mas aprendi da pior forma de que isso só te deixa estressado e infeliz. Embora ainda seja difícil admitir, não dá para ser perfeito o tempo todo (e no meu caso, nem todo texto vai ser "insightful" e perspicaz, nem toda conversa vai ser fruto de grandes ideias, nem todas grandes ideias vão provar ser tão brilhantes assim, nem todos conseguem escrever poesia e nem todas as primeiras impressões são as que ficam). Mas a gente consegue aprender a viver assim, nos 99%. Algumas coisas simplesmente não merecem o estresse de chegar nos 100%. E acredite, esse 1% que você escolhe ignorar é o que faz a diferença - e te impede de perder a cabeça. 

É por causa dos seus pais/amigos/sociedade? Nem todo mundo se importa com o que você faz ou deixa de fazer. A maioria das pessoas que te conhece não poderia ligar menos se você realmente manda mal no karaokê. Ninguém - apesar do que seu cérebro vive dizendo - vive para te julgar, ou faz isso o tempo todo. Um pulso mais firme da sua parte pode argumentar com seus pais/amigos se eles te disserem o contrário, que você não serve pra nada. E se eles estiverem fazendo isso, lembre-se que: 1) seus pais estão usando meios nada ortodoxos para guiar sua educação, isso logicamente não pode lhe fazer bem no futuro, a raiz do seu problema é muito mais funda e você precisa de ajuda; e 2) preste atenção nessas suas companhias.

É por que você vive stalkeando o mundo das celebridades e a aparente perfeição deles lhe fascina/incomoda? Engraçado como esse mal é cada vez mais comum no nosso mundo adolescente. E sinto que ninguém tem dado a atenção que esse problema (de proporções colossais) merece, pelo impacto que ele exerce principalmente nas meninas da minha idade, pelo menos as que eu acompanho. Aos pais que continuam insistindo em ler meu blog, permitam-me explicar o que acontece: sua filha ama um artista. Na cabeça dela, esse homem (30+ anos, ator e/ou cantor, voz aveludada, intelecto massivo, 70% de chance de ser britânico, se for britânico, 90% de chance de ter maçãs do rosto proeminentes, traços exóticos e talento excepcional no que faz) é uma infinita causa de frustração. Ela adoraria conhecê-lo, mas como sua filha provavelmente é uma garota inteligente e sensata, sabe que nunca encontraria palavras para expressar sua admiração pelo seu trabalho etc. Ela gravita em volta do mundo desse(s) artista(s), tendo sua ligeira ou enorme obsessão atenuada por redes sociais de cunho alienador (mas não vou negar, divertidíssimas), como Twitter, Facebook e Tumblr. E na prospectiva de ter um hobby tão sem sentido, tão estranho, que vai lhe levar do nada a lugar nenhum, ela chora. Na linguagem fangirl, tais sentimentos podem ser expressos em frases como: "UGH YOUR FACE", "I JUST HAVE A LOT OF EMOTIONS", "ASDFGHJKL", "GO AWAY I HATE YOU", "I CAN'T", "OMG THE FEEEEELS" e "*dying whale noise*".

É preciso muito tempo de estudo para entender as motivações por trás destas exclamações e exatamente o que elas significam, mas uma coisa é certa: sua filha não está bem. Ela está vivendo em um mundo de fantasias onde gasta horas do seu dia sonhando acordada ensaiando entrevistas para o programa da Oprah, abraçando seu ídolo no meio da Times Square em plena noite de ano novo, dirigindo o mais novo sucesso da Broadway, em suma, fazendo tudo, absolutamente tudo que ela não deveria estar fazendo no momento, como seu dever de casa e/ou estudar para ser alguém na vida.

Não que essas meninas não achem isso importante, na verdade elas acham isso tão importante que ficam infelizes com a grande probabilidade de não serem alguém, não na realidade que elas gostariam (o que lembra muito o meu caso com o perfeccionismo). Comento isso porque leio coisas gritantes todo dia, de meninas do mundo todo com enorme potencial, mas que não conseguem canalizá-lo para tarefas mais úteis porque estão presas ao mundo do Fandom, assim com F maiúsculo.

Lembre-se: seu ídolo com certeza é um cara muito legal (o meu é), realmente teve a sorte grande de ter nascido com uma quantidade pra lá da sua generosa de beleza e carisma, atua/canta divinamente, você está muito certa em admirá-lo e acompanhar seu trabalho, mas quem vive a sua vida é você. Tenha-o como exemplo e inspiração, aprenda com o que ele tem a dizer, considere-o como mais uma fonte de conhecimento e motivação. Mas não como seu namorado/marido/alma gêmea/"seu". Porque ele não é. Na verdade, ele fica assustado quando ouve essas coisas. (P.S.: ele também peida).

Resumindo, gostaria de enfatizar o fato de é impossível matar uma ideia, não uma vez que ela tenha feito ninho e se instalado no seu cérebro. Tente analisar se sua "falta de talento" não é somente uma paranoia sua, peça a opinião de pessoas confiáveis. Erre. Erre muito. Erre demais e mais um pouco e continue tentando, mas de preferência, continue fracassando, porque se você fracassar eu vou gostar mais de você. Fracasse porque tudo bem se você fracassar.

Amasse o papel, comece o texto de novo, abordando-o de maneira diferente. Arranhe sons com seu violino até uma nota afinada sair. Pareça ridículo tentando aprender a Polca com vídeos do Youtube - com as cortinas fechadas, por favor. Esqueça a física, ela não vai te levar a lugar algum.

Continue a nadar, meu amigo, e lembre-se que você tem pessoas que sempre vão estar lá te apoiando, seja você mais um cidadão anônimo ou o Van Gogh do século XXI.

Lembre-se também que Van Gogh só vendeu 1 quadro em vida. Hoje uma de suas obras mais famosas é avaliada em mais de 85 milhões de dólares. Porque se você realmente tem talento, sempre existirá alguém pra apreciá-lo.
Se não, também.
Depende é de onde você procura.
O que, por sua vez, vai depender só e exclusivamente de você.

Mas que droga, eu não sei pintar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tava tudo tão legal, até que tomei um tiro no peito lendo "Esqueça a física, ela não te levar a lugar algum". Doeu.

Anônimo disse...

TENHO UMA FILHA COM MUUUITO TALENTO!!!

Anônimo disse...

CONTINUE A NADAR...