sábado, 3 de setembro de 2011

Eu sou Otelo


Há tempos e tempos que quero, há tempos e tempos que meu espelho anseia de todo coração por esse dia, assim como todos os cômodos da minha casa, e meus vizinhos, provavelmente. Eu vou atuar. Finalmente irei atuar. Chega de monólogos incessantes e dramáticos na frente do espelho, treinando todos os diálogos inexistentes para as peças/entrevistas/entregas do Oscar também inexistentes, inexistentes ao menos para mim. Não mais.

Atendendo a todas as minhas preces silenciosas, o paradidático Otelo chegou. Meu irmão já teve a sorte de interpretar o Iago na sua 8a série, mas até hoje ele jura que nunca leu o livro, só a parte dele. Que desperdício. Pelo menos, eu herdei o livro. Cá está ele, me encarando enquanto escrevo. Otelo com um punhal na mão, Desdêmona assustada.

That would be quite a play, pensava. E será.

Certo. Não que sempre almejei interpretar um homem, velho, mouro, discriminado, enciumado e com tendências psicopáticas quando enfrentado, não, isso não. Mas já conheço o tipo. O personagem complexo que sempre projetei. Good challenge, great challenge. Thanks, Shakespeare.

Os problemas? Creio que já estejam meio óbvios. Mas irei enumerá-los, só pra questões de estética. Sabe como é que é.

1. Otelo é um homem, velho, mouro, discriminado, enciumado e com tendências psicopáticas quando enfrentado.

E eu sou uma menininha de 14 anos que nunca atuou fora do banheiro na vida. É preciso garra, força e coração pra aceitar a oportunidade e ir com fé nessa. Mas não é só ir com fé. Tem que ter talento também. E o banheiro de vez em quando te ilude a respeito do seu suposto talento. A única crítica vem do espelho, e ele não fala. Só reflete. Reflita sobre isso.

2. Os diálogos são arcaicos e muito, muito hilários.

Não ria em cena. Você é o personagem. Você está sofrendo. Dor, dor, sinta a dor. Isso. Don't. You. Laugh. Mas é difícil não rir com pérolas como essas.

- ELE CONFESSOU, DESDÊMONA!
- CONFESSOU O QUÊ?
- QUE A POSSUIU!
- DUVIDO QUE TENHA DITO ISSO!
- DEITE AÍ, IREI MATÁ-LA!
- QUE O SENHOR TENHA PIEDADE DA MINHA ALMA!
- AMÉM.
- E QUE MEU MARIDO TENHA PIEDADE TAMBÉM!
- QUIETA!

E se você foi profissional o bastante e não riu, outro na cena riu. E a mágica *faz movimento com as mãos* se perde. Certo, este não é exatamente o diálogo de verdade, mas você entendeu onde eu quis chegar. Algumas coisas desses livros clássicos são realmente forçadas, e quem paga o pato é o pobre ator. Eu, no caso. Até agora, não consegui segurar o riso na hora do "Amém".

3. O nervosismo.

Você está caracterizado. Você é o personagem. Você sabe as falas. Você está pronto. Você chega lá na frente e... err...

Eeeeeerrrrr........

Como é dura a vida de atriz principiante.

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