terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A noite em que o Brasil parou pra rir da minha cara


Post original (12/12/2017) aqui.

Plena terça feira, reta final do período, trocentas coisas pra fazer, mala para arrumar... e eu aqui passei o dia todo pensando nela. Só nela.

A maldita daquela barata.

Tem coisas que você só descobre depois de começar a morar sozinha. Não estou fazendo nenhuma análise psicológica sobre como lidar com a constante solidão quando a única companhia disponível é a de si própria, ou sobre a arte de jantar pipoca nas quintas-feiras, nem sobre os hábitos questionáveis de dançar Reggaeton bem baixinho na madrugada.

Não é nada disso. Na verdade, o problema que eu vim compartilhar hoje é muito mais simples do que isso. Quando você mora sozinha, se você não mexe em uma coisa, ela continua no mesmo lugar.

Parece óbvio, não é? Entretanto, peguemos como exemplo prático uma garrafa de suco que eu comprei em agosto e ainda se encontra fechada na minha geladeira. Eu nunca consegui abrir. Todo dia eu tento um pouco, às vezes ajuda, às vezes aperta mais, até serrar a tampinha com uma faca eu já tentei.

A garrafa nunca abriu. A moral é: até as tarefas mais simples tornam-se complicadas quando você é o único ser responsável em existência que pode ser culpado pelos seus próprios erros.

Vejam bem, eu definitivamente não sou a pessoa mais organizada do mundo, mas desde que eu me mudei para cá 2 anos atrás, eu sempre levantei o queixo de orgulho ao falar que nunca tinha encontrado um bicho na minha casa. Só, é claro, o animal do meu irmão que tacou fogo no meu banheiro, mas isso é outra história.

Nenhum inseto. Mosca, percevejo, aranha, pode enumerar. Nunca achei UM. Justamente por essa frágil ilusão de segurança, nada poderia ter me preparado para o pesadelo que eu vivi esta noite.

A caminho do banheiro, sonolenta, noto uma movimentação estranha na periferia do meu olho direito. “É o vento,” penso, ainda distraída. Mas a janela está fechada.

Viro na direção daquele barulho levemente desconcertante e enfim a vejo. Em toda a sua glória. Gigante. Medonha. Cascuda. Majestosa. E o melhor de tudo: ela voa.

A barata está lá, relaxando em cima na persiana do quarto, com as antenas balançando para cima. Cautelosamente, eu estudo meus próximos movimentos. O tênis mais próximo está a 2 metros de distância. Eu me aproximo, com calma, sem tentar assustá-la. É a chance perfeita. Eu só preciso manter a compostura e...

“AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA MORRE MORRE MORRE SUA DESGRAÇADA!”, eu grito, dando chinelada após chinelada na persiana mesmo, a visão vermelha de ódio.

A persiana quebrou. Se desfez todinha. Acho que o proprietário não vai ficar muito feliz quando souber disso.

E a barata... ela sumiu.

Cadê a bicha. Pra onde foi.

A minha vontade é de passar detefon na casa inteira. Morrer sufocada, levar a inimiga pro inferno comigo. Mas então eu percebo, com extremo pesar, que eu não tenho veneno em casa. Eu só tenho o meu sapato. Um livro bem pesado, talvez. Mas somente a minha força bruta como arma.

Vocês acham que eu ia desistir? NUNCA que eu ia dormir com aquela barata possivelmente escalando a minha cama. Já se aproximava das 2 da manhã. Foi quando algo extraordinário aconteceu.

No dia em que o meu guarda-roupa foi montado, vieram 3 homens aqui em casa pra carregar o negócio pro quarto e mais 2 para montar. Com uma força sobre-humana, eu, Ana Karla, empurrei o guarda-roupa de 4 portas pro outro lado do quarto sozinha. Eu afastei a cama para longe da parede.
Movi o espelho. Revistei o sofá. Engatinhei, pulei, chequei o lado de fora da janela. Desliguei a luz. Esperei. Liguei de novo. Nada.

Uma hora depois, eu finalmente a achei.

Ela estava entre o colchão e a madeira da cama. Quietinha. Espreitando. Ela sabia que o meu objetivo era assassinato. Eu quis vomitar.

Eu peguei a enciclopédia e, com um golpe certeiro, acertei a bicha. Ela voou. Como um personagem de RPG, eu troquei de arma e agarrei o tênis e fui acertando a bicha até ela ficar encurralada no canto, entre a cama e o guarda-roupa.

Não era necessário muito esforço após isso, agora eu vejo com clareza. O xeque-mate havia sido dado. Momentos depois, ela já não se mexia mais. Ainda assim, eu continuei o meu ataque. Eu matei aquela barata com tanto, tanto ódio. Eu dizimei a raça dela. Eu gritava, fora de mim, “MORRE MORRE MORRE”, até não sobrar nada no chão além de fluidos marrons e negros com texturas diferentes.

A barata estava morta.

Eram 3 da madrugada.

Eu... venci? Era mesmo verdade? Foi então que eu senti um arrepio na espinha. Eu não sabia que eu era capaz de tamanha agressividade.

Tanta... frieza.

Eu poderia ter resolvido aquela situação com tanta facilidade: barata na persiana, abrir a janela, empurrar a barata para fora com um pano, fechar a janela. Mas não. Eu escolhi a rota genocida, a rota stalker com final infeliz para ambas as partes. Aquilo me fez pensar.

Fui para a cama e dormi tremendo, depois de tomar uma caixa de Toddynho.

Hoje, ao acordar às 7 da manhã, notei que a janela agora estava emperrada. Eu não conseguia mais colocar o guarda-roupa de volta. Até o espelho parecia pesado.

Parece que o monstro finalmente havia saído de mim.

O meu único arrependimento?

A absolvição da minha alma imortal? Não ter dado à barata a chance de dizer suas palavras finais? Não ter limpado a casa direito no final de semana? Não ter controlado o meu instinto assassino, herdado dos primeiros homens amazônicos ao encontrar uma saúva? Ter ousado a me aventurar para longe do conforto de casa, rumo à terra de baratas desconhecidas? Ter feito a decisão de morar sozinha?

Não.

Eu só tinha um pensamento em mente.

Eu deveria ter aberto aquela bendita garrafa de suco ontem à noite.

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