quarta-feira, 4 de maio de 2011

A nossa história de Harry Potter

Andando a passadas largas pelo shopping, tudo parece normal. O mundo aparentemente não mudou, mas você sabe melhor que isso. O seu mundo mudou, nos últimos anos. E agora, estava prestes a acabar.

Não sabendo para onde ir, segue automaticamente para a livraria. Seus pés gostam de lá. Mas seus olhos, ah, seus olhos ficam fascinados. Após o deslumbre habitual, outra atitude mais habitual ainda. Onde estão os livros? Será que, assim como na livraria da esquina, eles estavam em uma estante especial? Eles precisam ficar em uma estante especial, pensa.

Mas esta não era a familiar e acolhedora livraria da esquina. Esta era a loja de livros do shopping mais visitado da cidade, e espaço perdido com ostentametos não era um luxo que eles poderiam se dar. Mas nem agora? Agora, no fim? Pense nisso como um agradecimento por tudo que essa saga fez pela literatura. Saga. Palavra engraçada para descrever. Talvez ela já tenha atingido o posto de lenda. Talvez você, livraria, só continue firme e forte por causa dela. Bufa irritada.

Um canto inteiro reservado aos tão famosos livros de capa preta com maçãs. Só podem estar de brincadeira. Lembra-se de quando já deu um voto de confiança para esta história e se decepcionou. Logicamente.

Tudo parece de segunda mão uma vez que você tenha lido Harry Potter.
Todo autor é apenas um amador comparado a J.K. Rowling.
Toda história parece risória, toda piada parece tosca...

O que está acontecendo?

Você, assim como eu, está sofrendo de depressão pós-Harry Potter.
Se passa?
Passa.

Quando?
Eu não sei.

Segue para aquela seção tão conhecida, e custa para encontrar um livro. Lembra-se de como eles estavam em abundância anos atrás. Parece que agora é só lenda mesmo. Vê, solitário, no meio de tantos outros livros estranhos, o volume pequeno de capa colorida, onde um pequeno bruxinho de cicatriz na testa sentava em uma vassoura, com um castelo ao fundo.

Ah, se você soubesse...

Você o retira de lá com um carinho inexplicável. Parece estar dando alô a um velho amigo. Folheia-o tentando lembrar de como foi a primeira vez. Sorri porque você lembra. E por isso está ali agora, naquele momento.

Coloca na primeira página, e começa a ler.

"O Sr. e a Sra. Dursley, da rua dos Alfeneiros, nº 4, se orgulhavam de dizer que era perfeitamente normais, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que se esperaria que se metessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque eles simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobagem."

Um sentimento nada estranho ou misterioso se apodera de você.
Sabe que está em casa.

Balança a cabeça negativamente ao pensar que já teve a ousadia de não gostar de Harry Potter. Mas isso foi antes de desenvolver a teoria de que ninguém não gosta de Harry Potter... as pessoas simplesmente desconhecem Harry Potter.

Pois uma vez que se conhece, não dá pra não gostar.

Não dá para não se apaixonar por aquela escola, seus estudantes, professores, criaturas mágicas. Não dá para não esperar sua carta, não dá para não desejar fazer mágica, não dá para esquecer a história do menino que desesperadamente procurava seu lugar em um mundo mágico. Não dá.

Não dá para não se envolver. Às vezes, precisa se beliscar para lembrar que aquilo é só um livro, e não existe Umbridge alguma. Às vezes, precisa se beliscar para lembrar que aquilo é só um livro, e Voldemort não pode nos machucar aqui fora.

Belisca-se porque não pode salvar Harry todas as vezes, embora esteja com ele ao tempo todo. Ah, você e eu estivemos com Harry até o final. The very end.

Lembra-se dos tempos de ouro quando os sites lotavam de discussões inflamadas sobre o final da série. Seria Snape bom ou mal? Harry sobreviveria? Dumbledore estava mesmo morto?

Sorri porque lembra de novo que não fez parte dessas discussões. Mas é como se tivesse. Amaldiçoa-se por ter começado a ler tão tarde.

Mas você leu.

Embora não ativamente, lembra-se de gostar de Harry Potter na infância. De quando sua tia a levou para o cinema chamando-a de "Hermionezinha", e você não fazia ideia do que aquilo significava.

Lembra-se de quando a mesma tia deu-lhe A Pedra Filosofal e simplesmente disse "Leia". Quem é você para negar algo pedido assim com tanto carinho?

Lembra-se de quando tudo se tornou um borrão. E você não conseguia mais imaginar de como era a sua vida antes de Harry Potter.

Parentes chatos nunca vão entender. É moda, é chato, é mentiroso demais, é tudo muito escuro. É tudo um golpe de marketing. É plágio, é puro capitalismo, é só coisa feia. Ah, é coisa do Satã.

Você certamente lidou com pelo menos um assim.
Porque, ora, cada um enxerga o que quer ver.
Posso muito bem dizer que Harry Potter é uma analogia à Grande Depressão se eu quiser.

Cruza os braços impaciente. Lembra-se de quando, não faz muitas horas, aquele alguém sem coração/infância zombou de você por causa da sua roupa. Não via nada demais. Não vida nada que não deveria estar lá. Mas deixa isso para outro momento.

Você olha para o relógio. Céus, havia perdido a hora. A livraria estava fechando, e quem estivesse observando muito atento no andar de cima poderia ter notado uma garota muito estranha de capa esvoaçante e negra sair correndo para fora da loja com uma vareta na mão e uma coruja branca na outra. Se viu, deve ter piscado várias vezes tentando se convencer que não havia visto nada. Nada fora do normal.

Assim como o Sr. e a Sra. Dursley fariam. E você sorriu melancolicamente com isso, enquanto seguia rapidamente o seu caminho para o cinema, para o fim do que seria uma das melhores fases da sua vida.


Mas, como Sirius brilhantemente disse uma vez, você se lembra... "Aquele que amamos nunca nos deixam completamente".

Harry Potter nunca irá nos deixar.
Pois todos fomos marcados. Não uma marca exterior que todos podem ver, como uma cicatriz. Mas uma marca em ouro cravada no interior da gente, e não importa se crescemos, mudamos, seguimos em frente. Ela sempre estará lá. Pergunte ao Dumbledore e ele certamente lhe responderá o que é.

E quando as luzes acenderem, as portas se abrirem e chegar a hora de ir para casa, simplesmente olhe para o seu amigo igualmente emocionado ao seu lado, e responda:

-I'm not going home. Not really.

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