quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Bela Adormecida (ou por que eu odeio gatos)

Levei o maior susto hoje. A partir da minha experiência, fica o recado: prestem muita atenção na hora de mexer no fogão. Tenham certeza de que todas as bocas estão desligadas depois de cozinhar. Porque vai que qualquer dia desses acontece uma tragédia daquelas bem ridículas, e aí, meu amigo, já era.

Meu fogão tem duas bocas que não funcionam, só que eu nunca sei quais. Vou testando aleatoriamente até uma acender, só então apago o resto. Ontem fui fazer comida e acidentalmente deixei uma das bocas ligadas - nem minha mãe percebeu. Como as janelas estavam abertas naquela hora, ninguém percebeu o cheiro do gás (que não é tecnicamente o cheiro do gás, mas deixemos simples e objetiva esta narração). 

Só que como o capiroto é forte,  a Lei de Murphy é infalível e o azar é tremendo, justamente nesse dia minha mãe resolveu fechar todas as portas, janelas e a varanda do apartamento, já que a doida da gata da minha vizinha adora ficar passeando pela varanda e entrando na nossa casa.

Logo no dia que o nosso gás resolve vazar e transformar a casa toda numa gigante e concentrada arma tóxica bem compactada. Ê, glória.

A princípio, realmente nem percebi. Pra falar a verdade, não percebi mesmo, tanto que fui dormir me sentindo meio tonta, mas o cheiro estranho nem me passou pela cabeça. Idiota como sou, me enrolei no edredom e inconscientemente abracei a morte de bom grado.

Só quando foi 1:30 da madrugada, minha mãe acordou com o barulho do gás vazando (ela não sente cheiros). E também com o barulho da nossa vizinha praticamente arrombando a nossa porta, gritando pra Jesus salvar a gente, interfonando para o porteiro. Nessa hora, eles já estavam planejando cortar o gás do prédio todo. E eu dormindo, lá, feliz, sem respirar.

Minha mãe abriu a porta e a mulher entrou, de olhos bem vermelhos, louvando ao Senhor porque "ela ainda vive!", e só então que ela percebeu que realmente havia algo muito errado - nessa hora ela "sentiu" o cheiro e sentiu vontade de desmaiar. Fecharam a boca do fogão. Acho que se alguém soltasse um peido, a casa explodia.

Mas aí que vem a pior parte: a pobre de minha mãe então lembrou de mim, de pernas bambas, e quase mandou a vizinha ir checar se eu "ainda vivia!", porque ela mesma não conseguia se mexer de tão forte o choque.

Enquanto isso, eu delirava no meu quarto, enebriada pelo gás, pensando na efemeridade da minha existência, ou talvez eu estava pensando o quanto essa porra de cidade é quente. Nunca saberei.

Minha mãe entra no quarto e eu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Ela começou a falar do gás, e o primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi "Vai explodir", e me enrolar ainda mais no lençol, desinteressada. Acho que são nesses momentos que nós realmente nos conhecemos como pessoas, nossos desejos e ambições. Minha primeira reação à iminência da morte foi deixar a ideia de lado porque eu tava com sono e queria continuar a dormir. Sem instinto algum de sobrevivência, a burra aqui. Mais uma vez - ê, glória.

Coitada da minha mãe, que ficou me encarando por cinco minutos até eu perceber que estava tentando voltar a respirar normalmente, só que com muita dificuldade. Eu ainda nem tinha assimilado a ideia do gás, e agora estava quase a expulsando do meu quarto, sem entender o que ela estava fazendo lá assustadoramente me olhando.

A história acaba aí, mas foi de manhã cedo que surgiram as implicações daquilo tudo na minha cabeça. Só de manhã cedo, quando acordei para ir pro colégio fazer prova de física, que percebi que se não fosse pela vizinha, provavelmente eu teria sufocado com o gás e morrido lá mesmo no meu quarto, que é o mais próximo da cozinha. Dormindo. Sem aviso, sem nada. Só teria ido dormir pra não acordar nunca mais. E foi então que senti o peso tremendo da coisa.

Fui sentindo aos pouquinhos, na verdade, pra processar bem as consequências da minha quase-morte bizarra. Comecei com coisas menores:
1 - Se eu tivesse morrido, não faria a prova de física de hoje.
2 - Espera. Se eu tivesse morrido, nunca mais faria outra prova de física.

Para maiores:
1 - Se eu tivesse morrido, minha mãe (esse foi o final da frase).
2 - Se eu tivesse morrido, meu pai que está de viagem teria que ter voltado às pressas pra cá.
3 - Se eu tivesse morrido, basicamente, a minha família toda ia ficar uma bagunça.
4 - Se eu tivesse morrido, iriam ter aquelas missas que eu detesto, gente chorando à minha volta e pessoas dizendo que agora eu descansava em paz, porque estava mais perto do Criador. Assim eu faço até questão de não morrer nunca mais só pra não ter que passar por essa provocação. 

Afinal, eu teria morrido.... assim. De repente. Nem trabalho de Deus, nem do capiroto, e se precisamos mesmo culpar alguém, culpemos a gata da vizinha.

Eu também nunca iria assistir a temporada 3 de Sherlock. Acho que foi nessa hora que a ficha caiu.

Rio agora porque não deu em nada (ou brinco pra não chorar). Estou viva, estou bem, respiro, odeio gatos mais do que nunca, com todas as minhas forças, minha casa está novamente inofensiva. Tudo de boa na lagoa. Mas fica a experiência, e com essa tenham certeza que eu aprendi. 

Não esqueçam de checar seu fogão, pessoal.
Porque vai que....


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