quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Duas coisas, hoje, eu perdi

Não há muito tempo atrás, existia uma menina sonhadora que vivia em um mundo florido, cheio de cor, até que um dia, um tempestade forte levou tudo pelos ares.
As plantas foram arrancadas pela raiz, os galhos estavam espalhados pela terra, e os lírios - pobres lírios - jaziam despetalados na planície do lago agitado.
Não importava o quanto a menina plantava, o quanto ela cuidava, o quanto ela reconstruía - sempre vinha uma nova tempestade e levava tudo de novo.
Cada uma pior que a outra.
Trovões, raios, ventos cortantes.
Ela simplesmente não podia acreditar no que havia se tornado o seu mundo.
Mas a menina era persistente.
Construiu um pequeno jardim, onde cultivava perto de si suas flores favoritas, e uma pequena casa de madeira, pequena, mas aconchegante.
Ela tentava se sentir segura outra vez. Ela tentava se sentir em casa, mesmo sabendo que não era.
Aquele não era o seu lar.

Os anos se passaram. Os lírios cresceram, algumas rosas morreram, mas, era o ciclo da vida. Acontecia.
As tempestades continuavam constantemente, às vezes com grandes intervalos, às vezes um dia após o outro, mas, sempre, sempre presentes.
A menina também cresceu. Passou de menina a mulher em pouco tempo, e continuava crescendo muito rápido. Que problema teria aquela garotinha, antes tão feliz?
A ex-menina estava velha.
Velha e cansada.
Mãos calejadas de tanto usar a enxada... onde estavam as unhas de princesa?
Olhos frios e escuros, sem esperanças... onde estava o brilho?
Costas cansadas... onde estavam todos os pulos e a correria?
Onde estava aquela menininha?
Ela ainda estava lá. Enterrada, mas ainda lá.
E ela sofria.
Sofria com o que tinha se tornado. Sofria toda vez que martelava outro prego na casa semi-destruída.
Por quê? Por quê com ela?
E não havia nada a fazer, nada a mudar.
Não havia outro mundo. Seria com esse que ela teria que se contentar.
O que ela tinha feito para merecer tantos dias nublados, tantos vento arrasadores?
Ela só queria seu mundo de volta.
Era pedir demais?

Um dia, a moça estava regando seus lírios brancos com carinho, quando viu ao longe, um tornado se aproximando. Aquilo era diferente de tudo que ela já havia visto antes, e olha que ela já viu bastante coisa nessa vida.
O tornado era ligeiro e muito poderoso. Ia levando todo e qualquer ser no seu caminho, arruinando mais uma vez o pequeno mundo da moça.
Não. Isso ela não poderia aguentar.
Isso era além das possibilidades.
Depois dessa vez, não haveria volta.
Não haveria nada.
Nenhuma árvore para contar a história.
O mundo ficaria vazio.

Ela olhou uma vez para sua casa humilde, construída e reconstruída inúmeras vezes com seu suor e trabalho duro. Ela olhou uma vez para o seu pequeno jardim, a sua única alegria naqueles tempos tão sombrios. Ela olhou ao redor, e viu os resultados da devastação contínua, depois de tanto tempo sendo testada e arrasada.
Ela olhou para o lírio na sua mão. Sua lembrança viva de quando a vida era... boa. Maravilhosa.
Ela olhou para si mesma. Vestida em trapos, cabelo embaraçado... Céus, mas que vida nova era essa?

Será que valia a pena continuar?
Continuar no sofrimento, continuar na solidão?
Não.

E ela olhou para o tornado.
Ele se aproximava cada vez mais, e a a ex-menina somente fechou os olhos.
Soltou os braços, mas continuava segurando firmemente a sua flor.
O vento estava mais forte.
Ela sabia que estava próximo.

"Duas coisas, hoje, eu perdi", pensou a muler, sempre de olhos fechados e segurando sua flor branca com força.
"O que você perdeu?", perguntou a menina, que habitava a profundeza da mente da mulher.
"Hoje, eu perdi o meu mundo", respondeu.
"O seu mundo já estava perdido há muito tempo", falou a menina.
"Pode até ser", disse, "mas para mim, meu mundo sempre será aquele país florido que se encontrava aqui. E hoje, no final do dia, ele estará eternamente arruinado".

"Como você pode saber disso?"
Mas a mulher não respondeu.
"Hoje, eu vou perder a minha vida".
A mulher suspirou.
"Isso é verdade".
"Mas isso depende do que você considera ser a sua vida".

A menina saiu do corpo da mulher, e ficou pairando na sua frente, prateada e esvoaçante, exatamente na frente do tornado.
"Você".

A mulher fechou os olhos novamente, e tudo que ela pôde sentir, foi a sensação de estar no ar, voando.
Esta foi a última vez que a mulher triste do País Arruinado fechou os olhos cansados.

"Adeus, mulher".

Da sua mão, o lírio havia se soltado, e agora voava em círculos pelo tornado, sem uma pétala sequer fora do lugar.
E ele sumiu nos ventos.

Naquela noite, o País Arruinado fez total juz ao seu nome.

Mas, em algum lugar, bem longe dali, um lírio surgia flutuando nos céus, e pousava na água...
Na casa ao lado, uma nova garotinha havia nascido.


THE END

Karla Kizem

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